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Eu
nunca vivi da arte, mas eu vivi a arte, e ela estava ali nos momentos mais
diversos da minha vida. Eu já dancei com lágrima no rosto, sejam elas de dor,
tristeza ou alegria. Mas o mais engraçado é que eu nunca dancei para esquecer
da vida, sempre foi para lembrar dela, para me reconectar. Nesse caminho, muita
gente passou pela minha vida, e eu sempre os vi pensando no dinheiro que ia
entrar no futuro, na fama, só que eu nunca pensei assim. Eu nunca tirei um real
sequer da dança, muito pelo contrário, eu dei muitos reais para ela sem esperar
nada em troca e nunca me arrependi disso. A dança me proporcionou uma coisa
muito maior do que o dinheiro, ela me proporcionou a expressão.
Quando
a arte se fixou em mim, foi nítida a mudança no meu comportamento. As emoções
eram expressas pelo meu corpo, no meu andar, no jeito de falar e até de olhar...
a arte virou minha segunda língua, quem sabe, talvez, até a primeira. Eu, então,
comecei a me comunicar por meio do meu corpo. Chegou o momento em que a fala
não era mais necessária, a expressão corporal dizia tudo por si só. Foi só aí
que eu descobri que eu não nasci para viver da arte; eu não achava certo tirar
dinheiro de uma coisa tão pura quanto a arte era para mim. É, posso dizer que não
trabalhar na arte foi a melhor coisa que nunca me aconteceu.
Outro
dia, eu ouvi uma crônica da Martha Medeiros sobre um fato que não
aconteceu com ela e foi a melhor coisa que lhe aconteceu. Viver da arte foi a
melhor coisa que não me aconteceu, pois me fez ver o mundo fora dos palcos, me
fez ver coisas que eu perdi, tentando me achar, e que eu só achei quando eu me
desprendi da ideia de viver da arte. Eu ainda vivo a arte! Eu a vivo em todos
os meus movimentos, mas eu não posso viver da arte. E, quando eu notei isso,
quando eu percebi que a dança era a minha vida, eu passei a viver a arte da
maneira mais crua que ela pode existir, nos momentos mais simples da vida, sem
nenhum esforço, contudo, com a maior recompensa.